Monsanto: a aldeia histórica que é cheia de histórias

Monsanto. Aparentemente já tudo foi dito sobre aquela que ainda detém o epíteto de “a mais portuguesa” das aldeias de Portugal, desde que em 1938, a estratégia nacionalista de António Ferro lançou o concurso que a viria a consagrar.
A verdade é que Monsanto não precisaria do Galo de prata para lhe atestar a sua singularidade. Toda a aldeia é um hino ao engenho e persistência humanas que, ao longo dos séculos, foi criando um lugar tão peculiar como aquele que hoje podemos visitar.
Desde logo, a localização geográfica numa elevação que atinge quase 800m de altitude e que se destaca no meio da campina de Idanha. Estas estranhas elevações têm ainda um nome mais estranho – são os “inselbergs”, ou mais poeticamente, “montes-ilha” – e são resultado da existência de blocos graníticos duros que resistiram à erosão, mais do que o xisto que os rodeia.
A topografia da zona revelou-se uma aliada na proteção das populações que, desde o paleolítico se foram instalando. Romanos, Visigodos, Mouros, todos foram deixando os seus vestígios, como camadas estratificadas de caráter que foi moldando o povo que por lá faz vida.
Com o advento da nacionalidade, D. Afonso Henriques viu nos Templários a chave para a defesa do território, não só contra os Mouros expulsos mas também contra os vizinhos castelhanos e leoneses. A edificação do castelo que agora coroa o cume da montanha data do século XII e consta que teve sempre grande atividade militar, ou não fosse um permanente sobressalto a vida junto à fronteira.
Da História feita da tentativa de invasões surgiram lendas, como a da “Bezerra” lançada do castelo para alimentar as tropas romanas sitiantes e, desta forma, atestar que a rendição não se faria por falta de provisões, ou a das “Marafonas” que, diz-se, causaram o mesmo efeito aos Mouros que cercavam o castelo.
A história de resistência das gentes de Monsanto e de toda a raia, ora repelindo os castelhanos, ora os franceses, confunde-se com a teimosia que as impeliu a construir as estranhas habitações acocoradas nos enormes penedos e que são imagem de marca da aldeia. Se não os consegues destruir, molda-te a eles…
Monsanto possui um rico património religioso, com várias capelas e uma imponente Igreja matriz de fachada austera. Mas, um passeio pelas ruelas da aldeia, desembocará, mais tarde ou mais cedo, num miradouro e, daí será visível a capela de São Pedro de Vir à Corça, bem no sopé do monte, abrigada por sobreiros e penedos graníticos. O nome já desperta curiosidade pelo local, diz-se de romaria, que remonta ao século XII ou XIII.
Uma pequena vereda sinalizada, leva-nos encosta abaixo àquela que é a mais interessante das ermidas, não só pela localização, mas também pela arquitetura românica de onde se destaca um só elemento decorativo: a rosácea que encima a entrada da capela. Ao lado, em cima de um bola rochosa, a torre sineira equilibra-se no seu exotismo. Um pouco mais longe, sepulturas medievais escavadas na rocha e ainda uma gruta de eremita.
Mais tarde foi-nos explicado o nome peculiar do lugar que está relacionado com mais uma lenda, desta vez a de uma criança que foi salva do demónio e que ali se abrigou, qual eremita, sendo alimentado pelo leite de uma corça. Os elementos cristãos e pagãos confundem-se neste local já que, ao que parece, a corça pode ser a ligação com o culto de Diana, a deusa da caça, o que parece justificar também o bosque isolado onde se construiu a capela.
De regresso à aldeia, o passeio não poderá ficar completo sem uma subida ao castelo. Do alto contempla-se a vastidão das terras de Idanha, com a Serra da Estrela a delimitar o horizonte a oeste, a barragem de Idanha a sul e Penha Garcia a este. Mas é também daquele ponto que melhor se percebe o património geológico da região. Aqui e ali, cristas quartzíticas elevam-se da planura e o rio Pônsul corre numa garganta apertada pelas paredes de granito.
Monsanto tornou-se um local turístico, muito graças ao epíteto que exibe orgulhosamente. Mas continua a ser um lugar onde se respira a autenticidade da nobreza dos solares que convivem com a arquitetura vernacular e religiosa.
Um passeio por estas terras não se esgota em Monsanto. Idanha-a-Velha, Penha Garcia, Salvaterra do Extremo ou Aldeia de João Pires são nomes a ter em conta.
Uma estadia mais prolongada fica imediatamente enriquecida assim que o dia começa a findar. O horizonte assume um renovado interesse ao encher-se de cores que pintam a paisagem de fogo. É a hora ideal para uma cerveja ou um chá, conforme as preferências, na esplanada do café que fica no Baluarte. Este é o momento para deixar entrar a indolência no corpo e sentir apenas com o olhar. À medida que a noite cai, os grandes blocos de granito assumem um caráter quase fantasmagórico e cada recanto transforma-se num espaço distinto do que foi durante o dia. O clima é quase sempre aprazível e, mesmo no inverno, um passeio pelas ruelas desertas do fim do dia é uma experiência a viver e compartilhar.